Envelhecer com ternura
O tempo não rouba — ele revela. Principalmente aquilo que é essencial.
Fui a um encontro de escritores esta semana e reencontrei uma amiga querida — uma grata surpresa, se quiser conhece-la, ela escreve tentáculos. O encontro foi lindo, todos muito letrados e acadêmicos. Eu, por minha vez, disse que era escritora apenas porque uso lápis e papel… e às vezes, nem isso.
Conversando com minha amiga, falei de coisas antigas que nem lembrava mais, mas que, inevitavelmente, cimentaram o caminho para que eu me tornasse quem sou. Tentando recordar quando nos conhecemos, mergulhamos fundo nas memórias. E tudo o que consegui pensar foi: estou, de fato, envelhecendo.
E tudo bem. Há coisas que só florescem no outono da alma.
Acho curioso como, por tanto tempo, tentaram nos convencer de que o tempo nos retira. Retira a elasticidade da pele, a força dos músculos, a memória a vitalidade da juventude. Como se viver fosse uma espécie de subtração — e o auge da vida, uma curva descendente.
Mas eu aprendi com as mulheres mais velhas que caminharam ao meu lado, e também com a natureza:
o tempo não rouba.
O tempo revela.
Revela o que é raiz.
O que é farsa.
O que permanece, mesmo quando os papéis sociais mudam, os hormônios dançam em outros compassos, os espelhos dizem coisas novas.
Envelhecer, para quem vive pele adentro, é como voltar para casa com as mãos cheias de histórias.
Aquelas que você só poderia ter aprendido vivendo.
É como olhar para si e, pela primeira vez, ver a mulher completa — não só a promessa, ou as ideias ou ideais, mas o que foi de fato feito do caminho.
Envelhecer com ternura é se recusar a endurecer.
E isso não significa que a vida tenha sido leve.
Pelo contrário — foram as quedas, os términos, os rompimentos de planos e as reinvenções de si que abriram espaço para uma nova suavidade.
A experiência, quando digerida com consciência, nos devolve calma.
Nos afina.
Nos ensina a não reagir a tudo.
Nos mostra que há sabedorias que só chegam quando paramos de querer ter razão o tempo todo — e passamos a desejar apenas paz.
Mas é preciso estar atenta. Porque às vezes, sem perceber, vamos deixando o protagonismo da nossa vida escapar.
Substituímos o tempo da nossa história pelo tempo das histórias que assistimos por ai.
Ficamos no celular em momentos de ócio ou espera, muitas, muitas vezes ao dia, se não, o dia inteiro.
Vemos o outro viajar, mudar de casa, se curar, começar.
E, aos poucos, vamos nos sentindo espectadoras de algo que deveria ser vivido por nós.
Envelhecer com ternura é lembrar de viver.
É lembrar que a vida tem fim.
Lembrar de se colocar no centro do próprio palco.
Lembrar de escolher com intenção.
Lembrar do que criamos, do que aprendemos, do que pensamos.
Do que sentimos.
Do que esquecemos por autopreservação — e do que já estamos prontas para lembrar.
Lembrar de deixar ir.
Lembrar de esquecer.
Lembrar de se comprometer com os próprios ritmos e rotas — mesmo que ninguém esteja aplaudindo.
Ao ver aquele círculo de escritores — em sua maioria com pelo menos trinta anos a mais do que eu —, reflexo vivo da cultura, do patrimônio da memória falada, escrita, contada, só pude me alegrar e agradecer por envelhecer com ternura.
Pra mim, envelhecer com ternura talvez seja isso: não deixar que o automatismo endureça o coração, e manter o nosso foguinho aceso — mesmo que, às vezes, só na brasa.
É sustentar a completude, mesmo nas partes que trincaram.
É carregar leveza sem negar o peso que se viveu.
É fazer da presença um gesto radical.
É florescer, mesmo sabendo que a flor não dura.
Com abraços de abuelita. Andressa.
Notas de coisas lindas… Terei um de meus textos publicados em uma Antologia e fui convidada para um bate papo na Feira do Livro da cidade, agora da pra dizer que sou… hmmm… Escritora? Me belisca? Tô emocionada.
Que texto lindo e necessário! Esse texto tocou com delicadeza um lugar tão profundo. Entrei no Subs agora “não sei por que” e me deparei com esse texto. Entendi o porquê: precisava ler essa preciosidade.
Gratidão por compartilhar esse olhar. ✨
Nossos encontros me lembram muito aquelas plantinhas medicinais que brotam espontâneas nos canteiros... 🥰