A arte de boiar na imprevisibilidade da vida.
Naufrágios cotidianos e o que emerge quando a onda passa.
Se tem algo que eu posso me gabar é a minha fluência na sintomatologia do corpo. Ele diz A e eu já estou conversando sobre como podemos lidar com a situação. Mas em relação aos problemas do dia a dia, situações de adulto, burocracias, curvas de aprendizado e desafios, eu sou o tipo de pessoa que só percebe que estava em crise quando a poeira já baixou. Quando o furacão vira brisa e o eco dos dias se aquieta. Nesse silêncio pós-apocalíptico, eu me pego perguntando pra mim mesma: Criatura, o que foi isso?
Algumas verdades aparecem sem disfarces. Uma delas é a constatação quase cômica de que a vida não se ajeita — a gente é que aprende a se ajustar, a se adaptar a ela.
Passei anos tentando arrumar a casa — essa casa que sou eu. Varrer os cantos, ajeitar os móveis, abrir janelas. Mas a vida vem em ondas, como o maaaaaaar, num indo e vindo infinito1. Pequenas marés que chegam sem aviso, levando coisas daqui, trazendo outras dali. No meio desse vai e vem, descobri que o segredo não é segurar a água, nem canalizar, nem construir represas, mas aprender a boiar. Sentar no chão com um chá quente, ouvir a música que atravessa a sala e deixar a vida ir e vir sem resistência.
Nos últimos meses, as marés pareceram mais fortes. E em vez de remar contra, descobri que algumas rotas cabem na palma da mão. Um caderno de páginas soltas onde as palavras se espalham sem compromisso. Um caminho diferente na volta para casa, um banco de praça, o céu ao amanhecer. Pequenos rituais que não resolvem absolutamente nada — mas ajudam a navegar.
Agora, quando a água ameaça passar dos joelhos, procuro as ilhas pequenas. Colher limão bergamota na rua e voltar pra casa com a camiseta cheia desses presentes. Uma música antiga que ressoa no fundo do pensamento. O silêncio de um cômodo que nunca recebeu visita. Pequenos lugares onde a alma encontra um abrigo temporário, como aqueles bancos de areia que aparecem quando a maré recua.
Aprendi que a gente precisa olhar pra onda e ver o que da pra fazer com ela. As vezes da para pular por cima, as vezes mergulhar por baixo, as vezes dar um pulo, girar de lado receber o impacto, cair, levantar e as vezes é tomar um caldo mesmo. Tem até vezes que da para surfar.
Mas as ondas… As ondas só querem passar.
Quem entra no mar, nunca sai igual como entrou. A gente volta diferente, às vezes com um galho preso no cabelo ou um punhado de areia nos ouvidos. Nesse mar profundo e Selvagem a gente nunca sabe o que vai encontrar. Mas se a gente não entra… também perde toda a delicia que é. Aprendi a deixar que as ondas me atravessem sem tanto esforço.
A vida vai seguir fazendo ondas, mas hoje eu observo o que chega e o que vai. Sem lutar contra a correnteza. Só flutuando, nadando, me afogando as vezes, mas acolhendo cada onda como se fosse a última e a primeira ao mesmo tempo.
“Viaja sem qualquer bagagem: Entre o que te salva e o que te mata. Nada Substitui a aventura.”
Te abraço com o carinho de sempre!
E desejo que você também aprenda a boiar!
Andressa.
PS: Dúvida honesta: boiar é uma palavra que se entende em todos os lugares do Brasil? Ou é um modismo rio-grandense como pechar ou cadear?
Acho que a analogia do mar com a vida é uma das que mais gosto de fazer. E é sempre gostoso descobrir como cada um se sente diante dele! Deixo a contribuição de um trecho que escrevi há praticamente 2 anos, também em maio: "Eu penso na adrenalina de mergulhar pro mar aberto. Estar em contato com a imensidão de tudo ao que pertenço, quase invisível, quase imaterial. Eu só posso me pertencer. O mar espera de mim o movimento que ele merece."
Quanto ao boiar, acho que é nacional. Talvez a gíria boiar seja regional, aquela no sentido de não estar por dentro do que está acontecendo.