Essa semana li de forma intensa. Tudo o que eu lia me atravessava, como quando a comida está muito seca e desce raspando pela garganta. Quero compartilhar uma leitura que foi, no mínimo, paralisante — daquelas que não conseguimos parar de ler, mas que ao mesmo tempo nos fazem questionar se devemos continuar.
A newsletter de Clara Averbuck1 e as palavras de Carmen da Silva reverberaram em minha alma como o grito de uma mulher que ousou escolher a si mesma. Uma escolha que, para muitas de nós, ainda é assustadoramente radical. O relato de sua fuga da "gaiola de ouro" e da imposição de um destino como joia e flor escancara as raízes de um sistema que aprisiona mulheres no que elas devem ser, enquanto ignora o que elas podem ser.
Quantas de nós já sentimos o peso de um amor que sufoca, do pedestal que nos isola, da culpa que nos foi colocada como herança? Esse peso não é apenas emocional: ele se manifesta em nossos corpos. O ciclo menstrual desregulado, os hormônios em caos, a ansiedade que nos tira o sono — tudo isso é a reverberação de um sistema que nos desconecta de nós mesmas, de nossas escolhas, de nossos corpos e de nossas vozes.
A saúde feminina é impactada diretamente por aquilo que negamos ou sufocamos em nós. Quando nos calamos, nosso corpo grita. Quando nos escondemos, nossas dores aparecem. O ventre que nos torna "úteis" também guarda as marcas de nossas lutas internas.
Mas houve um tempo em que nossas histórias eram contadas de outra forma. Um tempo em que as mulheres se reuniam em tendas vermelhas para sangrar juntas, compartilhar sabedoria, contar histórias e ensinar umas às outras o que significava ser mulher. Nessas tendas, não éramos apenas ventre, não éramos só mãe ou esposa. Éramos complexas, múltiplas, sem fim. Cada ciclo era honrado como um portal para o autoconhecimento e a transformação.
Na tenda vermelha, não havia pedestais. Havia olhos que se encontravam no mesmo nível, mãos que se estendiam para amparar e palavras que libertavam. Eram nesses espaços sagrados que se forjava a verdadeira força feminina: a força que vem da união, da escuta, do acolhimento e da coragem de ser.
Hoje, em um mundo que nos fragmenta em tantos papéis e nos pressiona a sermos tudo para todos, precisamos resgatar esse espírito ancestral. Não como um saudosismo, mas como um movimento vivo, contemporâneo e necessário. Criar nossos próprios espaços de partilha, onde possamos nos permitir ser vulneráveis, reais e presentes, é o caminho para nos reencontrarmos. É um ato revolucionário olhar para outra mulher e vê-la além dos rótulos e expectativas, reconhecendo nela um reflexo de nós mesmas.
E esse reencontro começa em nós. O que podemos fazer por nós mesmas todos os dias? Como podemos criar esses espaços dentro de nós e ao nosso redor? Talvez comece com um momento de silêncio para ouvir nossos corpos. Talvez seja um círculo de mulheres, uma conversa amiga, um diário, ou até mesmo a coragem de dizer "não" para o que nos limita.
Resgatar esse espírito ancestral é mais do que um ato de resistência: é um caminho para a saúde integral. Quando nos permitimos olhar umas para as outras sem julgamentos, quando nos reunimos para compartilhar não somente dores, mas também sonhos e conquistas, fortalecemos não apenas nossa individualidade, mas também o tecido coletivo que nos sustenta como mulheres.
Carmen escolheu escrever, voar e ser livre, mesmo sem saber exatamente o que a aguardava. Escolheu sair da gaiola porque sentiu que sua alma não cabia ali. Essa coragem não é fácil, mas é transformadora. Sua coragem ecoa em cada uma de nós que ousa sair da gaiola e resgatar o poder de ser quem realmente é. E quando nos unimos para compartilhar nossas histórias, transformamos as tendas vermelhas de ontem nos espaços seguros de hoje — um lugar onde podemos sangrar, sonhar, criar e nos curar juntas.
O que Carmen e tantas outras mulheres nos deixam é um chamado para lembrar quem somos: seres criadores, com um poder que vai muito além do que nos foi permitido acreditar.
Por isso, deixo aqui não apenas uma pergunta, mas um convite:
E se criarmos juntas essa nova "tenda vermelha"?
Um espaço onde possamos sangrar em paz, onde nossos ciclos sejam acolhidos como parte de quem somos, e onde o coletivo fortaleça nossa individualidade.
Círculos como esses não precisam de luxo ou regras. Precisam apenas de presença, escuta e umas pitadas de ousadia. Que possamos juntas resgatar o voo, o canto e a escrita que libertam.
O que você está escolhendo hoje? E como podemos, juntas, apoiar essa escolha?
Ando querendo fazer um canal de youtube, não assim de criaçããããão de conteúdo, mas um espaço para conversar falando, e não só escrevendo. Para documentar um pouco do dia a dia, processos de formação de pensamento, comportamento, reflexões, criação, projeção, minhas análises da vida e coisas assim. É claro que vou falar também de Saúde Feminina que tem sido o foco do meu interesse, afinidade e dedicação nos últimos 20 anos, mas é mais como um lugar para plantar umas sementes e colecionar algumas loucurinhas, assim dessa forma cheia de espontaneidade. E te escrevo isso para saber se você me acompanharia nessa empreitada? Se sim, só me responde esse email, ou comenta aqui no app, com um siiiim, pra mim saber.
Quem sabe será nosso pequeno cafofo de partilha?
Porque, como já disseram as mulheres sábias antes de nós:
"Quando uma mulher escolhe a si mesma, o mundo inteiro se transforma."
Com afeto e suave força,
Andressa Feltes.
Na foto eu como sempre conversando com as mãos.
Recomendo fortemente ler o texto completo.